15/01/08

7º Encontro Nacional das Comissões e Associações

Resolução


1 – Introdução
Por culpa das políticas desastrosas que os sucessivos Governos particularmente o actual têm sistematicamente optado por desenvolver para a área dos Serviços Públicos, vamos realizar mais um Encontro Nacional, no caso o 7º, num período de grande tensão e preocupação, expressas de forma bastante evidente através de muitas acções de protesto, indignação e reivindicação que utentes e trabalhadores do sector público têm realizado de Norte a Sul do país.
Esta política que o Governo nos pretende impor a todo o custo assenta em dois pilares manifestamente prejudiciais para a maioria dos portugueses, o primeiro numa clara e obstinada obsessão pelo cumprimento do pacto de estabilidade financeira imposto a partir de Bruxelas, o segundo numa não menos clara capitulação política face aos interesses e exigências dos grandes grupos económicos que têm como objectivo a apropriação dos serviços públicos mais rentáveis.
É neste contexto político, muito grave para o futuro da maioria dos portugueses que o Movimento de Utentes, a par de outras organizações sociais e políticas tem tentado através do protesto, da reivindicação e da apresentação de propostas barrar o caminho à degradação dos serviços públicos, assumindo-se a realização do 7º Encontro Nacional como um marco importante para defender, garantir e alargar os direitos dos utentes dos serviços públicos, questão essencial para aumentar os níveis da qualidade de vida e bem estar social.
O aparecimento de novas Comissões de Utentes, nomeadamente ao nível das áreas da saúde e da educação são um sinal claro de que as populações reconhecem como válido o trabalho que temos realizado. Tal reconhecimento responsabiliza-nos a encontrarmos as formas e os meios que criem as condições para, onde for possível o melhorarmos, possivelmente à custa da troca de experiências e opiniões entre as Comissões e outras organizações de outras áreas de intervenção, potenciando uma maior participação dos utentes.

2 – A Evolução dos Serviços Públicos em 2007
Fruto das políticas neo-liberais do Governo acentuou-se a tendência para a desresponsabilização do Estado nas áreas sociais e de prestação de serviços públicos.
No presente a aplicação das medidas governamentais acarreta enormes e graves prejuízos para os utentes, ao mesmo tempo que vai criando o caldo de cultura para que os serviços mais rentáveis sejam entregues a grupos económico financeiros.
Esta estratégia política da responsabilidade do actual e anteriores governos é defendida com o argumento da inevitabilidade da sua aplicação, devido a directrizes da responsabilidade da União Europeia. Então se é assim perguntamos que interesses nacionais tem o Governo defendido e, para além deles, os próprios partidos (PS – PSD – CDS) no parlamento europeu onde têm eleitos, se não as directivas consideradas na Resolução da Estratégia de Lisboa e do Livro Verde Sobre Serviços de Interesse Geral, matérias referenciadas na Directiva Bolkenstein.
Não está provado em nenhum sector que a detenção do capital e a prática de
gestão pelos privados, seja sinónimo de melhores serviços e mais baratos. A caracterização dos serviços públicos que a seguir fazemos prova precisamente o contrário.
Enquanto isso, no sector público, apesar de haver situações a corrigir, existem bons exemplos que, com aproveitamento de instalações, equipamentos, tecnologia de ponta, boa organização de serviços e com o empenho dos trabalhadores oferecem aos utentes serviços de excelência.

De seguida procedemos à caracterização dos serviços referidos, sector a sector.

2.1. Caracterização Sectorial
2.1.1Saúde
As políticas para a área da saúde que o Governo de forma insensível e autoritária tem desenvolvido através do Ministério da Tutela, com o argumento da melhoria da sua qualidade, economia de recursos financeiros e técnicos, melhores serviços para os utentes e garantia de acesso a mais e melhores cuidados de saúde, têm tido como objectivo entregar aos grupos económicos e financeiros com interesses instalados nesta área, serviços para estes fazerem negócio à custa da saúde dos portugueses.
Com a aplicação de tais medidas O Governo visa mercantilizar o bem saúde, transformando-o num privilégio de ou para alguns em detrimento de ser um direito Universal de todos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, como aliás está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Apesar de todas as dificuldades e obstáculos, o SNS contribuiu para importantes ganhos em saúde registados em Portugal, conforme o atesta o 12º. Lugar atribuído pela Organização Mundial da Saúde.
O encerramento de unidades e serviços de saúde de forma indiscriminada e com falsos argumentos, cujas consequências mais graves se fazem sentir ao nível das zonas mais interiores e afastadas dos centros urbanos, só vêm aumentar as dificuldades de acesso aos serviços de saúde dos mais carenciados e a um maior isolamento de quem reside nestas zonas. Estas medidas, ao invés do que é referido pelo Governo, não reduzem custos antes os aumentam e, as soluções encontradas para substituir serviços encerrados não dão resposta e agravam as necessidades das populações.
O sector público continua a ser determinante, em qualidade e quantidade, na garantia de condições de igualdade de acesso a cuidados de saúde. Tal não se verifica, por exemplo, na oferta seguradora dos privados onde não são aceites “clientes” com doenças crónicas ou com mais de 65 anos.
Também o reduzido investimento feito ao longo dos anos na área dos cuidados de saúde primários em favorecimento da aposta no tratamento da doença tem agravado as já deficitárias situações existentes nos centros de saúde, limitando o apoio domiciliário que é necessário prestar a determinados doentes particularmente os mais idosos e carenciados, sendo estas responsabilidades transferidas do SNS para os grupos privados, permitindo o Governo que também nesta área seja feito negócio à custa de lares e residências de luxo, alguns de qualidade duvidosa.
Na área dos medicamentos a política do Governo não é diferente, transferindo mais custos para os utentes desresponsabilizando o Estado das obrigações a que está sujeito.
Os preços dos medicamentos em Portugal, regra geral, são muito elevados e a comparticipação do Estado nos seus custos é baixa, o que obriga a que os utentes suportem encargos muito elevados, situação que em muitos casos impede doentes de os adquirirem por dificuldades económicas.
A juntar a estas situações o Governo, em claro benefício da Indústria farmacêutica, assinou com a Apifarma um acordo que determina uma receita mínima de lucro e proíbe a baixa de custos dos medicamentos até ao ano de 2009, prejudicando o interesse público.
Nos custos de aquisição dos medicamentos genéricos, o Governo permitiu que fosse introduzido um novo escalão que reduz de 35% para 20% a diferença entre estes e os medicamentos de marca, também aqui com os prejuízos a recaírem sobre os doentes devido à subida continuada dos custos.
O princípio do utilizador/pagador, adoptado como regra por este Governo, conduziu a que já hoje os portugueses paguem cerca de 40% nas despesas com a saúde, enquanto no resto da Europa os governos suportam em média 78% a 85% dos custos.

2.1.2 Transportes Públicos
No sector dos transportes no período de tempo que decorreu entre o 6º e o 7º Encontros não houve alterações significativas, mantendo-se, regra geral, as situações que na anterior Resolução nós reclamávamos ser urgente e necessário alterar para aumentar a mobilidade dos utentes este objectivo visava incentivar a utilização do transporte colectivo por muitos dos utentes que passaram a utilizar transporte próprio com os inerentes problemas de ordem económica e ambiental para o país.
Os problemas que continuam a persistir neste sector não promovem a aproximação das regiões, a mobilidade das pessoas e o necessário desenvolvimento do país, o facto de o Governo fazer cada vez mais cedências aos interesses dos grupos económicos deste sector, ao não optimizar os meios disponíveis para implementar um sistema articulado de transportes, ao não forçar que as empresas cumpram os percursos estabelecidos nos contratos de concessão ao aceitar o argumento de que há carreiras que não são rentáveis são factores de evidentes e graves transtornos que prejudicam os utentes.
As medidas governamentais apontam claramente para a aplicação do princípio do utilizador/pagador, alienando por completo a componente social do serviço público de transportes, de que é exemplo as tentativas de acabar com o passe intermodal, se fossem concretizadas estas medidas, a mobilidade dos utentes, seria drasticamente limitada.
São exemplos de desprezo pelos utentes os casos concretos da alteração das carreiras dos transportes colectivos das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o não cumprimento de prazos pela Refer nos casos do Túnel do Rossio, modernização da Linha de Sintra e electrificação da Linha do Sado.
Os projectos de grande dimensão anunciados pelo Governo (TGV e novo aeroporto de Lisboa) não podem ser impeditivos que se eliminem as assimetrias existentes entre as regiões do país, com influência directa para o desenvolvimento do mesmo.
O Governo, com o objectivo de beneficiar os interesses dos grupos económicos, pretende entregar-lhes a exploração dos novos equipamentos, nomeadamente pela privatização de empresass públicas portuguesas.

2.1.3 Acessibilidades e Mobilidade
Não foi possível, como era nosso objectivo, concluir ainda a análise às respostas contidas no inquérito que enviámos às Juntas de Freguesia e que muitas já nos devolveram devidamente preenchidos.
Esta falha contudo não pode impedir que manifestemos também nesta área as preocupações que temos face à situação de completo abandono a que muitas áreas do país e muitos milhares de cidadãos aí residentes são votados, por falta de infra-estruturas básicas, pela supressão de transportes e encerramento de serviços públicos, obrigando a que, em muitos casos, esses cidadãos de recursos financeiros reduzidos, de idades avançadas e mesmo crianças em idade escolar, saiam de casa de manhã cedo e regressem a horas bastante tardias depois de tratarem de assuntos diversos ou frequentarem as escolas, situações que levam a que muitas vezes os mesmos optem por não se deslocarem, acarretando problemas de vária ordem, nomeadamente o abandono e insucesso escolar ao nível das crianças e problemas de saúde e outros ao nível dos mais idosos.
Face aos problemas que estas situações comportam deverá impor-se ao Governo que sejam tomadas decisões políticas de salvaguarda ao direito à mobilidade e à deslocação que estes cidadãos têm, nomeadamente à não introdução do pagamento de taxas em troços das diversas auto-estradas que servem essas regiões, exigência que terá de merecer por parte das respectivas populações, uma permanente e redobrada atenção, como aliás já aconteceu com o êxito que se conhece.

2.1.4 Correios e Telecomunicações
De acordo com as orientações da UE, o Governo português mantém actual a intenção da total privatização dos serviços de correio, processo entretanto interrompido devido às reacções negativas manifestadas por algumas autarquias, Comissões de Utentes e populações que, de forma organizada e em unidade disseram não ao encerramento dos postos e estações de correio.
Devido a tais intenções não temos dúvidas que o processo iniciado pela administração dos CTT, mais tarde ou mais cedo será retomado, situação que, a acontecer, terá novamente de merecer o mesmo tipo de resposta, sob pena de não o fazermos, a qualidade dos serviços ser drasticamente posta em causa, como aliás já hoje acontece onde foram encerrados serviços e a distribuição de correio foi entregue a particulares ou autarquias locais que, em prejuízo das populações, aceitaram substituir-se aos serviços de correios.


2.1.5 Electricidade e Gás
Referíamos na Resolução aprovada no 6º Encontro Nacional que a política energética nacional foi sacrificada para satisfazer os interesses dos grupos económicos, à custa ou em favor dos grandes negócios, pondo em causa o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos.
Dizíamos também que na sequência desta política o que assumia carácter prioritário na gestão da empresa pela sua administração era a obtenção de lucros para os dividir pelos seus accionistas, em prejuízo da prestação de um serviço público eficiente e de qualidade a preços compatíveis com o rendimento da maioria dos portugueses.
São insuficientes os investimentos em obras novas e na manutenção das infra-estruturas existentes, originando em determinadas regiões constantes e prolongados cortes de energia, não assumindo a EDP, em muitas situações, as suas responsabilidades.
Contrariando as opiniões e posições do Governo, mas confirmando a nossa afirmação, o Mercado Ibérico de Electricidade denominado por ‘MIBEL’ não contribuiu para a redução do custo a pagar pelos utentes pela energia consumida, nem para melhorar a qualidade dos serviços prestados.
Apesar dos utentes portugueses serem os que têm dos menores rendimentos familiares ao nível da UE são os que pagam os custos mais elevados pelos consumos das energias.

2.1.6 Água e Ambiente
Este bem essencial à qualidade de vida e bem-estar do homem está a ser posto em causa com a Lei da água aprovada por este Governo e que permite que este bem produzido pela natureza passe a ser gerido no âmbito do sector privado.
Aproveitando-se da aprovação da Lei em causa houve algumas Câmaras Municipais que concessionaram a grupos privados o abastecimento de água com as populações a terem que suportar custos muito superiores aos que são praticados pelos municípios que continuam a ser responsáveis pelo abastecimento de água aos seus munícipes.
Também o Governo, em perfeita sintonia com os interesses dos grupos privados e em prejuízo dos utentes, tem exercido sobre muitos municípios uma enorme pressão para que os mesmos concessionem tão importante quanto necessário serviço a tais grupos económicos.
Nesta área, como em muitas outras onde o Governo tem tomado decisões políticas, normalmente ao que assistimos é que os critérios do lucro assumem sempre carácter prioritário sobre os critérios económicos e sociais ao ordenamento, regulamentação e fiscalização de actividades económicas, pondo em risco a sustentabilidade das actividades humanas.
A privatização dos sectores de captação e do abastecimento de água podem pôr em risco a sustentabilidade das actividades humanas e de ecosistemas.
Entretanto continuam a não existir em muitas zonas do país equipamentos ou infra-estruturas ( colectores, aterros sanitários e E.T.A .R’s) para garantirem o eficaz tratamento dos resíduos sólidos e efluentes domésticos , situações que se traduzem em problemas gravíssimos de saúde pública e poluição ambiental.

2.1.7 Educação
O indispensável desenvolvimento económico e social do país é fundamental para aumentar os níveis de vida dos trabalhadores para isso é necessário aumentar o nível médio de escolaridade dos portugueses, a formação e qualificação de quadros médios e superiores em maior quantidade, para ser possível superar atrasos e debilidades do sector produtivo e de vivência cultural.
No entanto, e por culpa das políticas que os sucessivos governos, com realce para o actual têm desenvolvido, assentes num modelo de desenvolvimento muito baixo aos níveis da escolaridade e da qualificação e de baixos salários originou que apenas 71% dos trabalhadores tenham o ensino básico e 9,9% dos portugueses possuam escolaridade de nível superior.
Referir também como um dado importante, que os patrões que despontaram na década de 90 têm, em média, apenas 7,7 anos de escolaridade.
Confrontando estas situações com a média dos países da União Europeia a 25, o número de portugueses com o Ensino Secundário completo é inferior em 2,6 vezes, também no que diz respeito à taxa de abandono escolar, em 2004 era de 46%, a mais alta de entre todos os países que à data constituíam a UE.
A grande maioria das empresas continua a não facilitar a formação profissional, nem cumpre a legislação aplicável aos trabalhadores-estudantes, esquecendo-se que a médio prazo poderão beneficiar em termos de produtividade.
Estas sim, são as causas que estão na base do significativo atraso estrutural, económico e social com que o país se debate.
Os altos custos com o ensino que as famílias têm que suportar, argumentando o Governo que o esforço dos mesmos será em benefício dos alunos e não do país, tem apenas e só como objectivo filtrar o acesso ao ensino superior e privatizar o ensino.
Aliás, contrariando tais opções políticas que o Governo teima em continuar, não aceitando críticas nem opiniões e sugestões feitas por estruturas e a nível individual, são muitos os estudos que realçam a importância do ensino e da formação profissional na produtividade e no rendimento do trabalhador.
No âmbito desta estratégia política, o Governo, na continuidade do que anteriores governos faziam, continua a desresponsabilizar o Estado das responsabilidades que tem com o ensino público, optando antes por aumentar, de ano para ano, o investimento no ensino privado, criando condições para que os preceitos economicistas e elitistas se sobreponham a critérios pedagógicos.
É embrulhado neste preocupante quadro político que surge a integração do nosso ensino superior no processo de Bolonha e a imposição do Governo e do grupo parlamentar do PS de um novo regime jurídico das instituições de ensino superior, situações que representam um ataque sem paralelo em trinta e três anos de democracia à gestão democrática e ao governo autónomo das Universidades.

2.1.8 Segurança Social
A concretização do sistema público de Segurança Social é uma conquista dos trabalhadores que não pode nunca ser desligada da Revolução acontecida em 25 de Abril de 1974, integrando-se num conjunto de muitas outras transformações económicas e sociais com implicações positivas na melhoria da qualidade de vida e bem-estar para a maioria do povo português, aniquilando uma situação herdada do regime fascista, que impunha à maioria dos portugueses a exclusão a qualquer direito de protecção social.
Conforme está consagrado no texto da Constituição da República Portuguesa, compete ao Estado a responsabilidade de organizar, coordenar e financiar o sistema de Segurança Social, de forma a assegurar o respectivo direito de todos à Segurança Social.
Contrariando as opiniões e afirmações feitas, quer por membros do Governo, quer pelos que defendem que a gestão do sistema de Segurança Social deve ser feita por grupos económicos, o actual sistema nem está ultrapassado nem à beira do colapso financeiro, são prova do que referimos os saldos positivos atingidos em 2004, 274,6 milhões de euros, em 2005, 297,8 e 2006, 715,8 mais 140% do que no ano de 2005.
A estes valores devem ser acrescentados mais 7000 milhões de euros que o fundo de estabilização financeira da Segurança social atingiu no ano de 2006.
O sistema público de Segurança Social assume-se como fundamental na garantia de direitos ao nível do pagamento de importantes prestações sociais aos trabalhadores desempregados ou em situação de doença, aos reformados e pensionistas e ainda aos cidadãos em situação de pobreza ou exclusão social, situação que tem evitado o alastramento das desigualdades sociais e da pobreza, muito embora o mesmo assente em valores muito baixos das prestações sociais, em comparação com a média dos restantes países da União Europeia. O continuado ataque feito pelo Governo ao sistema público de Segurança Social à sua natureza e finalidades tem sido responsável por custos sociais muito elevados, degradando o valor das prestações sociais, alterando os critérios de atribuição visando a redução do Universo dos beneficiários.
Acrescem a estes problemas que representam custos económicos e sociais muito elevados os que derivam de um modelo económico e social imposto que assenta sobre a fragilização do aparelho produtivo, em elevadas taxas de desemprego, baixos salários, diminuições salariais e ainda no aumento da precariedade laboral.
Referir que esta brutal e inqualificável ofensiva contra o sistema público de Segurança Social está intrinsecamente ligado aos interesses do grande capital que exige a todo o custo profundas alterações das bases que ainda o suportam.

2.1.9 Serviços Financeiros
Nunca como agora a banca e a industria financeira tiveram tantos lucros. Também nunca houve tanto crédito mal parado e as famílias tiveram tanta dificuldade em pagar as responsabilidades de crédito assumidas.
Nunca os apelos ao consumismo e ao recurso ao crédito teve tanta e tão agressiva publicidade. Nunca tantos seguros foram obrigatórios. Muitas prestações sociais e/ou vencimentos obrigam à abertura de contas bancárias. Até, o Estado já é fiador para empréstimos a estudantes.
Muitos dos lucros da banca e das companhias seguradoras, que são depois aplicados na economia especulativa, provêm das inúmeras e altas taxas aplicadas aos serviços.

2.1.10 Entidades Reguladoras
Constituídas por grupos/personalidades técnicas nomeadas pelo Governo (com ou sem a participação da Assembleia da República) pretensamente independentes dispõem de poderes para arbitrar e harmonizar interesses contraditórios entre utentes e prestadores de serviços, e no “quadro da regulação” de sectores de bens e serviços de relevante interesse público.
A teoria da separação das funções de prestação das de regulação continua a ser instrumento para justificar a progressiva retirada dos serviços públicos da prestação de serviços e intervenção em áreas essenciais, completada com a entrega da regulação a entidades administrativas especiais – as entidades reguladoras – alheias aos serviços públicos.
Nada impede que o Estado preste serviços e, ao mesmo tempo, fiscalize a sua qualidade e cumprimento, criando as estruturas necessárias para ambas as funções.

2.2 Balanço da actividade e lutas do MUSP e dos Utentes durante o ano de 2007
Devido a um conjunto de dificuldades de ordem funcional e administrativas, o trabalho desenvolvido aos níveis do Grupo Permanente e da Comissão Dinamizadora não correspondeu às propostas de trabalho aprovadas na resolução do 6º Encontro Nacional, situação que no futuro temos obrigatoriamente de alterar.
Independentemente das dificuldades com que nos confrontámos ao longo do ano de 2007, foi possível desenvolvermos diversas acções e participarmos em outras, correspondendo a solicitações de Comissões de Utentes e outras organizações que consideramos de grande importância para a defesa dos direitos dos Utentes e visibilidade do trabalho do Movimento.

2.2.1
Destacamos as seguintes acções:
- Emissão de documentos diversos;
- Conferências de imprensa e emissão de notas à comunicação social, tomando posição sobre diversos assuntos;
- Participação em diversas acções promovidas por Comissões de Utentes (Montemor-o-Novo, Santo André, Setúbal, Castanheira do Ribatejo, Évora e Odivelas), sindicatos e outras organizações;
- Dinamizámos a constituição do Movimento Cívico em Defesa do SNS, estrutura responsável pela realização da acção do dia 21/09/07 em Lisboa e do dia 22/09/07 em diversos locais do país;
- Participámos em reuniões com estruturas sindicais e autarquias locais;
- Reunimos com partidos políticos na Assembleia da República;
- Reunimos com responsáveis do Governo em diversos Ministérios e com direcções e conselhos de administração de empresas públicas;
- Mantivemos o Blog do MUSP.

3. Um Movimento dos Utentes mais forte e interventivo
Continuando a insistir numa política que penaliza a maioria dos portugueses em benefício dos interesses dos detentores dos grandes grupos económicos, o Governo obriga-nos a estar vigilantes e disponíveis para conjuntamente com os utentes, lutarmos de forma intransigente pela salvaguarda e garantia dos nossos direitos.
Os constantes e sistemáticos ataques que o Governo tem desferido contra os serviços públicos retirando direitos não só aos utentes, mas também aos seus trabalhadores, têm assumido proporções gravíssimas limitando o acesso, aumentando os seus custos, degradando a sua qualidade, acentuando de forma brutal as desigualdades sociais e assimetrias regionais.
Com o objectivo de garantirmos que as condições sociais de bem estar e qualidade de vida sejam conseguidas à custa da melhoria dos serviços públicos torna-se necessário que para além dos que já hoje participamos nas comissões e associações de utentes, muitos outros cidadãos participem nas acções de protesto e reivindicação.
Cabe-nos enquanto membros mais activos convencê-los a participar explicando-lhes tal necessidade, fazendo-os acreditar que se os nossos direitos estão a ser postos em causa ou mesmo a ser retirados, também os deles estão.
Para além do envolvimento de outros cidadãos também a presença de outras estruturas torna-se importante aliás a experiência diz-nos e confirma-nos que os resultados desta conjugação de interesses tem sido, em muitos casos, positiva.
Tendo como presentes o conjunto de situações que referimos na caracterização dos diversos serviços públicos, situações que nos merecem as mais sérias preocupações, a realização do 7ºencontro Nacional das Comissões e Associações de Utentes dos Serviços Públicos assume-se como uma importante acção que irá contribuir para o reforço do MUSP e onde concerteza com a intervenção de cada uma das Comissões ou Associações de Utentes presentes serão definidas as linhas de trabalho que no futuro irão orientar toda a nossa actividade.
Temos pela frente um opositor muito forte, que tentará por todos os meios que possui, e são muitos, concretizar uma tarefa que se comprometeu perante os interesses dos mais ricos dos que anseiam por mais benesses à custa do sacrifício dos mais pobres, cabe-nos a nós cumprir com o compromisso que assumimos perante estes de tudo fazermos para defender os seus direitos e reconquistar os que já lhes/nos foram retirados.

4. Linhas de acção e Reivindicação dos Utentes dos Serviços Públicos
Para ultrapassar os problemas existentes nas diversas áreas dos serviços públicos devido à política neoliberal que o Governo tem optado por aplicar, exigimos outra política que assegure o papel do Estado no desempenho de importantes responsabilidades constitucionais no âmbito das suas funções sociais, indispensáveis ao desenvolvimento do País, à satisfação dos direitos dos utentes, dos trabalhadores e das populações. Por isso, exige-se:

4.1 Saúde
Um Serviço Nacional de Saúde Público, Universal, geral, gratuito, eficiente e eficaz
- Abolição das taxas moderadoras;
- Fim do processo de privatizações no sector;
- Uma política de medicamento que promova a redução dos seus custos para os utentes e Estado, à custa do fim das elevadas taxas de lucro, da indústria, da distribuição e das farmácias e pela aplicação das seguintes medidas, obrigatoriedade de prescrição por DCI e fim do preço de referência, dinamizar a implantação dos genéricos, produção e comercialização de medicamentos em unidoses, farmácias públicas nos Hospitais e nos principais Centros de Saúde, apoio na comparticipação a grupos específicos, como os de mais fracos recursos e com patologias crónicas, defesa da soberania nacional em matéria de produção de medicamentos;
- Criar condições para permitir o acesso atempado de todos os utentes às urgências, às consultas de especialidade e às intervenções cirúrgicas, eliminando, de vez, as famigeradas listas de espera;
- Aproveitar melhor os meios complementares de diagnóstico e de tratamento continuados instalados nos serviços públicos de saúde, como os casos da fisioterapia e hemodiálise, reduzindo o recurso a serviços externos, de custos exorbitantes;
- Desenvolver acções de informação junto dos utentes que promovam as boas práticas em defesa da saúde pública (combate ao tabagismo, ao alcoolismo, às doenças sexualmente transmissíveis, aos maus hábitos alimentares, à sinistralidade rodoviária);
- Criar uma rede de transporte de doentes inter-hospitalar, de forma a que todos os doentes internos ou externos tenham aceso a um transporte atempado quando necessitam de transitar entre hospitais;
- Que sejam afectos mais recursos humanos e materiais para o reforço das acções de saúde preventiva e de saúde pública;
- Instalar a todos os níveis e em todas as unidades de saúde sistemas de informação compatíveis entre si;
- Que o Estado assegure aos cidadãos todos os meios na prevenção e tratamento da toxicodependência e SIDA;
- Estender a todos os que necessitem os cuidados continuados e cuidados paliativos;
- Que o Estado apoie os cidadãos com deficiência e seus familiares;
- Uma nova política de saúde que combata as actuais assimetrias regionais;
- Instalação de cuidados de saúde oral, nutricionistas, fisioterapeutas, psicologia e oftalmologia nos centros de saúde e hospitais onde ainda não existam estes serviços.
- Funcionamento dos centros de saúde aos fins de semana em zonas do país mais distantes dos serviços hospitalares;
- Construção de Hospitais e Centros de Saúde públicos;
- Passagem de todos os Hospitais EPE a SPA;
- Acabar com a promiscuidade Público/Privada dentro do SNS.
- Manutenção do funcionamento dos “Serviços de Atendimento Permanente – SAPs”, onde estes já se encontrem instalados, com apetrechamento dos equipamentos adequados às necessidades de resposta que as populações carecem.

4.2 Transportes
- Nas regiões actualmente servidas pelo passe social, alargar o âmbito geográfico das coroas e inclusão de todos os operadores de transportes;
- Alargamento da cobertura a mais áreas do país do passe inter-modal, bem como a inclusão de todos os operadores de transportes;
- Criação de mais vias BUS, paragens com mais informação e mais conforto nos abrigos;
- Incentivo à utilização de combustíveis não poluentes;
- Exigimos a elaboração do PNT (Plano Nacional de Transportes) e a instalação das autoridades metropolitanas de transportes;
- Valorização do transporte ferroviário pesado e ligeiro (metro) do transporte fluvial e dos transportes rodoviários urbanos;
- Não à privatização das empresas públicas de transportes;
- Construção de parques interfaces nas periferias dos centros urbanos para serem evitadas entradas de veículos nos mesmos;
- Cumprimento integral por parte das empresas dos percursos definidos nos contratos de concessão.

4.3 Acessibilidades e Mobilidade
- não à privatização da empresa (Estradas de Portugal );
- não à instalação de portagens nas SCUT’s e acabar com as portagens nas pontes que atravessam o Rio Tejo;
- não ao pagamento de portagens em vias com obras;
- construção de novas vias de circulação e melhoria da qualidade ao nível da pavimentação, correcção de traçados e sinalização das já existentes;

4.4 Correios e telecomunicações
- Que os serviços de correios se mantenham na área do Sector Público Administrativo;
- Fim do processo de encerramento de postos e estações dos CTT para garantir a qualidade dos serviços e a confidencialidade da correspondência;
- Combate à concentração de operadores de telecomunicações, obrigatoriedade de tarifas planas e de menores prazos de fidelização;
- Os avanços tecnológicos devem estar à disposição em todo o território nacional;

4.5 Electricidade e gás
- Prática de preços da energia que tenha em conta os rendimentos médios das famílias e as necessidades competitivas do tecido económico nacional;
- Medidas de estímulo à poupança de energia por parte das famílias portuguesas;
- Incremento da produção de mais energia eólica, biomassa e hídrica;
- Execução rigorosa dos estudos de impacto ambiental e diálogo com as populações nos traçados das linhas de muito alta tensão;
- Construção de novas linhas e estações eléctricas para acabar com situações de carência ainda existentes em diversas zonas do país;
- Reforço das acções de manutenção das linhas e estações eléctricas e das condutas de gás., assim como junto dos consumidores directos;
- Tratando-se de sectores estratégicos o Estado deve assegurar ou ter influência decisiva na gestão das mais importantes empresas do sector;

4.6 Água e Ambiente
- Revogação da Lei Quadro da Água;
- Fim da concessão/privatização dos serviços de abastecimento de água;
- Aferir e zelar pela qualidade da água e promover práticas racionais do seu uso;
- Estender a todo o País o saneamento básico (limpeza dos locais públicos, recolha de lixo, rede de esgotos) e construir e manter em condições de bom funcionamento Aterros Sanitários e ETAR's;
- Gestão e usufruto público dos recursos naturais, numa perspectiva que contrarie a mercantilização e a privatização da natureza;

4.7 Educação
- Que se invista e valorize o Ensino Público em vez de se favorecer o privado;
- Que o Estado assuma as suas responsabilidades no sentido de garantir a ocupação das crianças, no período que vai entre o fim das actividades escolares, das pausas lectivas e o regresso dos pais da sua actividade profissional;
- Medidas de defesa da Escola Pública como garante do cumprimento do direito constitucional ao ensino em condições de equidade para todos;
- Alargamento do ensino obrigatório ao 12º ano de escolaridade;
- Alargamento da rede pública do pré-escolar a todas as crianças de quatro anos acompanhado das condições necessárias;
- Fim das propinas e o aumento significativo das verbas para a Acção Social Escolar;
- Que a ser feita uma reestruturação da rede escolar a mesma seja feita de forma consentânea com os interesses das comunidades escolares, com o acordo dos pais e encarregados de educação através das suas organizações representativas, bem como a Confederação, autarcas, docentes e não docentes.

4.8 Segurança Social
- Defesa do sistema público, universal e solidário da Segurança Social, como pilar de novas políticas sociais que visem a justa repartição do rendimento nacional, o combate às injustiças e às desigualdades sociais;
- Consolidação da sustentabilidade financeira do sistema público através de medidas que, entre outras, responsabilizem e comprometam o Estado e as empresas de capital intensivo.
- Suspensão dos critérios de sustentabilidade e critérios de atribuição de prestações sociais, que visam a redução do valor da reforma e restantes subsídios, como o de desemprego e de doença.
- Aumento do valor das prestações sociais mais baixas e criação de novas prestações para cobrir novos riscos sociais;
- Criação de mais creches e infantários e lares para idosos;
- Pagamento em tempo útil das prestações sociais, como o Subsídio de Desemprego e o Subsídio de Doença;
- A instalação equilibrada em todo o território nacional de serviços de atendimento da Segurança Social, as “Lojas da Solidariedade”.

4.9 Serviços Financeiros
- Não às taxas nas operações de multibanco;
- Redução das taxas de juro no crédito à habitação;


4.10 Justiça
- Valor das taxas para acesso aos tribunais mais adequadas ao rendimento das famílias. Não ao encerramento de juízos, tribunais e outros serviços;
- Os serviços públicos administrativos devem ser organizados face às condicionantes socio-demográficas e respeitar os princípios da proximidade e acessibilidade;
- A informatização dos serviços públicos deve respeitar o vasto conjunto da população portuguesa que é info-excluída, permitindo-lhes a possibilidade de aceder por métodos mais compatíveis com a sua vivência.

4.11 Entidades Reguladoras
Num quadro de prestação de serviços monopolizada por grupos económicos, o Estado deve intervir na regularização e orientação da actividade económica no respeito pelos princípios e instrumentos de planificação consagradas constitucionalmente;
Os utentes, através dos seus representantes e outras organizações sociais devem estar presentes nas órgãos das entidades reguladoras;

5. Calendário de Acções de Protesto e Reivindicação
Identificadas as exigências importa calendarizar um conjunto de Acções que tenham em consideração as condições necessárias para que as Comissões e Associações apoiadas pelos utentes lutem para conseguirem não só garantir os direitos destes mas para que os que lhes forem retirados sejam repostos.
O futuro reserva ao movimento de utentes uma tarefa difícil mas não impossível: informar, organizar e mobilizar cada vez mais utentes na exigência da adopção de novas políticas sociais que: promovam a igualdade de direitos e de oportunidades para todos e previna e elimine os diversos factores de discriminação e desigualdade; realizem a necessária repartição da riqueza criada, com salários e pensões revalorizadas, o desenvolvimento dos sistemas públicos e universais de segurança social e o acesso a serviços públicos de qualidade, repetimos é tarefa difícil mas não impossível.

Propomo-nos:

· Promover iniciativas que potenciem a criação de novas Comissões de Utentes;
· Realizar um debate nacional sobre o SNS;
· Promover um encontro nacional sobre água e ambiente;
· Realizar um debate sobre energia (importância das energias renováveis) ;
· Realizar acções que tenham como objectivo a defesa e valorização dos serviços públicos;
· Tomar posições de protesto, denúncia e reivindicação sobre questões que ponham em causa direitos dos utentes e atentem contra os serviços públicos;
· Realizar o 8º Encontro Nacional das Comissões e Associações de Utentes dos Serviços Públicos no último trimestre do ano de 2008 em local a definir.



Lisboa, 17 de Novembro de 2007